Advogada mestre em Direito e especializada em open insurance explica como tecnologia e criatividade, resultantes de inovações como open insurance, insurtechs e sandbox, causam uma revolução no setor.
O Brasil ainda é um dos países onde menos se contrata seguros no mundo, mostrou pesquisa feita em 2020 pela Universidade de Oxford. Os brasileiros estão em último lugar no ranking de seguro para proteção pessoal e familiar. Entre as empresas, menos de 10% têm algum tipo de seguro. Mas essa realidade está mudando. Conforme o 10º Relatório de Análise e Acompanhamento dos Mercados Supervisionados, emitido em maio de 2022 pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), a participação dos mercados supervisionados no PIB brasileiro cresceu significativamente, passando de 2,6% em 2003 para 3,5% em 2021. A diferença é significativa, levando-se em conta que o PIB brasileiro se manteve crescente na maior parte do período.
A transformação deve se acelerar a partir de 2023. “O tamanho da transformação pela qual passa o mercado de seguros é tão grande que podemos vislumbrar uma realidade bem diferente já nos próximos doze meses, uma revolução até o fim da década”, afirma a advogada Izabela Rücker Curi, sócia fundadora do Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica e da startup Smart Law. Mestre em Direito e especializada em direito securitário e mercados de inovação, Izabela diz que os nomes da mudança atendem por três expressões em inglês: open insurance, insurtechs e sandbox. “Nada será como antes”, diz ela.
O que é o Open Insurance e como está sua implantação no Brasil?
O Open Insurance, ou Sistema de Seguros Abertos, é o compartilhamento de informações de seguros e previdência entre instituições autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados, a Susep, reguladora do setor. Vem na sequência do Open Banking, conjunto de regras e tecnologias que permitiu o compartilhamento de dados e serviços de clientes entre instituições financeiras. O Open Banking teve implementação iniciada em 2021. Os dois sistemas, juntos, fazem parte de um grande ambiente aberto, o Open Finance, Sistema de Dados Abertos, instituído em 2020 pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional.
A primeira fase do Open Insurance, o compartilhamento de dados públicos das empresas de seguro sobre produtos, serviços e canais de distribuição, está bem encaminhada. A segunda fase, iniciada em setembro de 2022, compreende o compartilhamento de dados pessoais dos clientes, incluindo informações sobre suas operações de seguro. A terceira fase, que deve se iniciar em março de 2023, envolve obter a autorização dos clientes para compartilhar dados sobre seus contratos de seguro, incluindo pagamentos de prêmios e históricos de sinistros.
O que muda, na prática, para consumidores e empresas?
Serão compartilhados dados como nome, endereço, CPF, RG, filiação, data de nascimento, nacionalidade, produtos cadastrados. São dados já fornecidos na proposta de seguro. O compartilhamento amplia a transparência e a competição entre empresas, em benefício do consumidor. Essa é só uma das bases da grande mudança no mundo dos seguros, que está sendo promovida pelas insurtechs e, digamos assim, fermentada no sandbox regulatório.
Como as insurtechs, as empresas que trazem novas tecnologias para o mercado de seguros, fazem parte dessa transformação?
Veja só: elas estão mudando a relação com os segurados, ao reduzirem a burocracia na contratação de seguros e permitirem uma cobertura personalizada. O termo insurtech une insurance e technology — seguro e tecnologia em inglês. São empresas inovadoras que usam a tecnologia para criar novas modalidades de serviços, aplicativos, plataformas de gestão e automação de processos no setor de seguros. Pesquisa feita em 2021 mostrou que o número de empresas do setor já se aproxima de 400 na América Latina, um terço delas no Brasil. Elas estão definindo o futuro
E chegamos ao Sandbox Regulatório, que é onde o futuro do seguro no Brasil está sendo testado, certo?
Sim, é um ambiente regulatório experimental, supervisionado pela Susep. O nome, Caixa de Areia em tradução para o português, refere-se a um ambiente isolado e seguro, como nas caixas de areia para crianças em praças e parques. Na prática, é um espaço que permite a uma empresa oferecer produtos e serviços de forma rápida, dentro de regras mais flexíveis que a legislação tradicional. Projetos de empresas participantes do Sandbox incluem iniciativas como seguro personalizado para acidentes pessoais ou residencial e até seguro para delivery e para pets, com cobertura para passeios de bicicleta, esportes de aventura e situações pontuais. Esses projetos usam o melhor da tecnologia disponível, como telemetria e geolocalização, para oferecer seguros facilmente customizáveis. Algumas empresas, inclusive, já deixaram o Sandbox e já passaram atuar como seguradoras.
Quais as principais dificuldades para implantação de um ambiente aberto de seguros?
Toda mudança de tecnologia, você sabe, toda mudança de sistemas e de governança, exige adaptações, ajustes e os prazos podem ter sido muito acelerados. Entidades do setor criticaram o período curto para desenvolvimento de soluções, e por isso o início de etapas tem sido prorrogado. Recentemente, os corretores de seguros também foram formalmente incluídos no processo. Eles têm voz importante. Para que que se tenha os resultados desejados, todo o ambiente de negócios precisa se envolver, de corretores, insurtechs, seguradoras tradicionais a locadoras de automóveis, agências de viagens, de saúde e por aí vai. É um processo que, às vezes, desacelera por alguma dificuldade, mas está avançando de maneira sólida.
O que se pode esperar em termos de novos produtos no mercado de seguros?
Creio que veremos muito mais seguros intermitentes, no formato pay-per-use. Seguro para apenas um trecho de viagem de automóvel, por exemplo, ou a cobertura para furto de celulares, plano de assistência veterinária para pets. Enfim, os limites para as novidades na área são a tecnologia e a criatividade, duas coisas que temos, cada vez mais, em abundância.