ESG não é sinônimo de sustentabilidade!

Finanças

*Artigo de Felipe Bismarchi.

Desde 2019, marcado pela icônica carta de Larry Fink do fundo BlackRock comunicando a exigência paulatina de bons desempenhos ambientais, sociais e de governança para continuarem as investidas do maior fundo de investimento do planeta, as três letras que representam esta lente (ESG, na sigla em inglês, ou ASG em português) tomaram a agenda de mídia, de negócios, títulos de livros, artigos, documentários e programas dos mais variados tipos. Com muito mais frequência do que se imagina, a nova prática é apresentada até mesmo por especialistas como sinônimo de sustentabilidade! Saiba de imediato que isso é um perigo e um erro conceitual!

ESG é uma abordagem de investimento fruto da percepção (e experiência real) de investidores que perderam parte ou todo o investimento feito por um mau desempenho ambiental, social ou de governança das empresas em que investiam. Isso ocorre, por exemplo, pelo: derramamento de petróleo ou estouro de barragens de mineração; uso de mão de obra análoga à escravidão ou por práticas racistas na seleção e promoção de empregados; ou ainda pela participação em esquemas de corrupção, desvios de verbas públicas e pagamentos de propina.

Nenhuma das ações mencionadas é desconhecida dos brasileiros e de praticamente qualquer terráqueo. A diferença é que, com as mudanças de valores (e tolerância) das sociedades e a atuação mais efetiva de órgãos públicos de controle, investigação e punição de maus atos, a impunidade foi diminuindo e os negócios foram justamente penalizados por fazerem dinheiro enquanto prejudicavam a coletividade.

Foi a partir desta preocupação que diversos investidores passaram a demandar de seus gestores financeiros uma avaliação mais criteriosa dos ativos escolhidos (e, claro, das organizações) para investimentos quanto suas práticas ambientais, sociais e de governança. E não se engane: apesar de parecer algo super recente, colocar critérios não-econômico-financeiros é uma exigência que remonta ao século XVII quando grupos religiosos já orientavam seus fiéis a não aplicarem dinheiro em negócios relacionados ao tabaco, bebida e jogos, por exemplo.

E por quê isso não é sinônimo de sustentabilidade? A verdadeira razão é que sustentabilidade possuiu diferentes paradigmas, para cada um deles tomando sentidos bem diferentes – especialmente as sustentabilidades definidas como fracas (baseadas na economia ambiental) e fortes (baseadas na economia ecológica) que têm como objetivo equilibrar as dimensões ambientais, sociais e econômicas de toda sociedade. As agendas e temas da sustentabilidade são trabalhados para se tornarem parte indissociável das comunidades, um valor e não um fator de redução de risco de investimento.

Tratar ESG como sinônimo de sustentabilidade implica manter o investidor e, portanto, o dinheiro como centro das decisões do que se fazer em relação a temas da coletividade. Isso significa não mudar praticamente nada em um sistema cuja dinâmica é incapaz de sustentar a vida humana (e várias outras formas de vida) neste planeta.

É evidente que os investidores exigirem essas práticas é um importante estímulo e, por isso, as áreas que tratam de ESG devem estar junto aos profissionais de Relacionamento com Investidores (RI), pois devem levantar das diversas práticas que possuem aquelas que comunicam aos investidores o que é importante para eles nessa avaliação – que varia de investidor para investidor em função da sua estratégia de investimento e temas materiais.

Existir numa empresa profissionais voltados ao ESG não compete ou substitui profissionais voltados à sustentabilidade – que são os que trarão sob uma perspectiva global, estratégica e centrada em pessoas (de forma ampla e não só no papel de investidor) e na natureza as estratégias, processos e práticas de uma organização a fim de contribuir estruturalmente de forma positiva para a coletividade.

É do repertório da agenda de sustentabilidade que saem as informações para comunicação e reportes ESG! Parece uma diferença irrelevante, mas não é!

Se você já sabia disso e adota a expressão ESG porque ela “abre portas” para as agendas da sustentabilidade e, portanto, é uma estratégia para adoção, tudo bem! Se você não sabia, fique atento para não acreditar de forma ingênua que a prática aplicada resolverá os problemas graves e urgentes que efetivamente devem ser solucionados pela humanidade… Problemas nos quais as organizações são atores fundamentais por seu tamanho, impacto e poder de mobilização.

*Felipe Bismarchi é colunista do Denarius (Boletim Econômico Financeiro da Fipecafi Projetos). É pesquisador em sustentabilidade e professor na Faculdade Fipecafi.