Do bilhão à poeira: lições de ESG no case da FTX

Finanças

*Artigo de Rodrigo Nigri e Daniele Barreto e Silva, da Grant Thornton Brasil, e Fernando Dal-Ri Murcia, colunista do Denarius (Boletim Econômico Financeiro da Fipecafi Projetos)

Em abril de 2022, Sam Bankman-Fried, jovem fundador da Alameda Research e posteriormente da FTX Crypto Exchange, uma das principais corretoras de criptoativos do mundo, teve sua fortuna estimada pela Forbes em torno de US$ 25 bilhões, aparecendo então na lista da própria revista como um dos indivíduos mais endinheirados do planeta.

Sete meses depois, em novembro, o mercado cripto é abalado com a notícia da insolvência da FTX e pedido de falência da corretora. Após uma sucessão de eventos, houve uma quebra de confiança no lastro da corretora, desencadeando uma corrida bancária de seus correntistas. Ainda não foi mensurado com precisão o impacto deste evento na fortuna de Sam, porém, certamente seu patrimônio foi reduzido a uma fração do valor estimado pela Forbes em abril do mesmo ano e seu nome não mais constará na publicação. Adicionalmente, estimativas apontam que a quebra da FTX deixou cerca de um milhão de investidores no prejuízo, entre eles, alguns brasileiros.

Enquanto no mercado financeiro tradicional temos a presença de bancos centrais capazes de resgatar instituições em crise, como o realizado pelo banco central norte-americano Federal Reserve (Fed) junto ao Lehman Brothers na crise dos subprimes, ou também para garantir o reembolso de uma parcela mínima aos investidores e correntistas, como ocorre com o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) no Brasil, no caso dos detentores de criptoativos custodiados na FTX ou em corretoras equivalentes e seus respectivos investidores, há ausência de atividades regulatórias.

Diante deste cenário e do rastro de destruição deixado pelo episódio da FTX, quais lições de ESG podemos tomar?

E (Enviromental – Meio Ambiente)

Toda moeda para possuir valor precisa de lastro – moedas fiduciárias – ou de escassez, como os metais preciosos. Os criptoativos, por sua vez, como não possuem lastro, como um metal precioso ou um banco central que o suporte, são arquitetados de forma que é necessária a criação de uma nova moeda – bitcoin, por exemplo –, além da solução de uma equação matemática com grau de complexidade crescente que, por sua vez, exige capacidade computacional e energia cada vez maiores. É aí que surgem os famosos mineradores de criptoativos.

Os mineradores são instalações repletas de computadores destinados exclusivamente a solucionar as mencionadas equações e, assim, gerar novos criptoativos. Para exercer esta função, necessitam de grande quantidade de energia elétrica e de capacidade computacional. Segundo o Atlas da Energia, da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), e as estimativas populacionais da ONU, a energia usada pela criptomoeda passou a superar a demanda de países como as Filipinas (99,2 TWh, 109,5 milhões de pessoas).

As principais fontes de produção de energia elétrica no mundo são o carvão mineral, os derivados de petróleo e o gás natural, que quando queimados libertam dióxido de carbono e outros gases ocasionadores do efeito de estufa.

Então, como consequência direta do alto consumo de energia para a operação de criptomoedas temos o agravamento da crise climática. Em tempos em que as partes integrantes da COP27 (Climate Change Conference of the Parties), apesar dos ventos contrários globais, concordam em manter o Acordo de Paris intacto, com meta de limitar o aumento da temperatura em até 1,5°C ainda em vista, e selam um acordo histórico para a criação de fundo para apoiar os países em desenvolvimento, particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança climática, a derrocada dos ativos de criptomoedas torna ainda mais relevante o questionamento se esse trade off se paga. Uma alternativa para mitigar o problema seria a utilização das chamadas energias limpas, como a energia solar e a eólica, para a mineração dos ativos. Contudo, não seria uma solução de curto prazo uma vez que a mudança da matriz energética não é algo trivial.

S – Social

Em sua concepção, os criptoativos possuem uma função social intrínseca. Uma vez que sua essência é descentralizada e não controlada por governos ou bancos centrais, eles podem garantir a populações ou detentores destes ativos reservar valor e poder de compra mesmo em situações de ditaduras, confisco de reservas ou outras situações abusivas.

Por outro lado, a alta demanda de insumos do mercado desses ativos pressionam o preço da energia elétrica e componentes eletrônicos que vão impactar diretamente governos e famílias, com estresse no sistema e aumento dos custos de energia, assim como dificuldade de acesso e maiores preços de computadores e smartphones.

G – Governança

Por último, e possivelmente os aspectos mais relevantes no curto prazo, temos os atributos de governança ou a falta deles.

A mesma essência descentralizada, não regulada e, portanto, sem qualquer fiscalização, que beneficia o acesso das populações aos ativos, acaba por tornar as criptomoedas uma das principais formas de pagamento utilizadas por contraventores, em mercados de transações ilícitas, dando espaço a graves implicações de rompimento de ética.

Bancos e instituições financeiras tradicionais possuem regras rígidas de garantias, manutenção de ativos compulsórios líquidos e limites de alavancagem. O próprio fato de a FTX operar com criptoativos e, assim, estar à margem dos rígidos padrões de governança e transparência exigidos para instituições financeiras tradicionais certamente teve papel crucial para o colapso e estrago causado.

A quebra da FTX ainda está sendo estudada mais a fundo e muito detalhes devem ainda vir à tona, mas o que se sabe é que a corretora não mantinha níveis saudáveis de garantia para os ativos de seus correntistas e realizou investimentos e apostas de alto risco com seus fundos, expondo assim a companhia à sucessão de fatos recém-observados. Ademais, desde o princípio, o fato de seu fundador Sam Bankman-Fried ser sócio controlador tanto da Avenue quanto da FTX, com transações entre si, já seria um sinal de alerta do ponto de vista de governança e regulação de instituições financeiras. Note-se que as transações entre partes relacionadas não são necessariamente proibidas, mas precisam naturalmente ser realizadas em condições de mercado para que não haja prejuízo para os outros stakeholders.

Existem também no sistema financeiro tradicional salvaguardas para evitar perdas excessivas para os correntistas de bancos, bem como para minimizar o efeito de contaminação de uma corrida bancária no sistema como um todo. No caso da FTX e corretoras cripto, a saída e salvação seria a aquisição por um outro player maior ou de mesmo porte com saúde financeira.

Anteriormente, a própria FTX havia realizado isso junto a outras corretoras menores, mas quando chegou sua vez, a única candidata era sua rival Binance que, ao realizar a Due Diligence, desistiu da aquisição deixando a companhia sem saída.

Enquanto a história se desenrola e mais detalhes da quebra da FTX são revelados, reguladores já debatem sobre como aumentar os mecanismos de governança e controle para o mundo cripto, ao mesmo tempo em que muitos investidores devem tornar-se mais cautelosos ao escolher a instituição na qual vão investir ou a parcela de seu patrimônio alocada neste grupo de ativos. De toda forma, certamente este é um caso que demonstra a relevância da agenda ESG neste mercado e o olhar integrado e sistêmico que esta pauta exige.

*Rodrigo Nigri é sócio de Transações da Grant Thornton Brasil
**Daniele Barreto e Silva é líder de Sustentabilidade da Grant Thornton Brasil
***Fernando Dal-Ri Murcia é professor e diretor da FIPECAFI Projetos, colunista do Denarius (Boletim Econômico Financeiro da Fipecafi Projetos) e professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo – FEA/USP