Por Thiago Cassini
Nos últimos anos, as instituições financeiras mais tradicionais, como bancos com décadas de existência, precisaram passar por uma intensa mudança em suas estruturas mais básicas. Já havia uma demanda por menor burocracia, maior agilidade, mais facilidade e um melhor atendimento ao cliente, porém a falta de concorrência no quesito de modelo de negócios permitia a essas instituições o luxo de ditar tendências, o que nem sempre resolvia os problemas do consumidor.
Tudo isso mudou quando as fintechs, sobretudo as de bancos digitais, surgiram para atender a esse gap, usando a tecnologia para suprir necessidades de negócios, de experiência do cliente, de relacionamento e, acima de tudo, de postura e mindset estratégico. Agora com opções, os clientes tinham para onde correr, fugindo dos problemas de relacionamento que tinha com os bancos. Não à toa, dados da Abstartups apontam que existem mais e 600 mil bancos digitais só no Brasil, atualmente, e de acordo com o Instituto Locomotiva e a TecBan, 42% dos brasileiros já aderiram a contas nessas instituições. É quase metade da população.
Como resposta ao crescimento das fintechs, muitas instituições tradicionais começaram a exigir que a legislação impusesse certos freios, de modo a colocar na mesma categoria instituições extremamente diferentes. Sim, o balanço de poder vindo de décadas de tradição, acordos e investimentos pende para o lado de quem está lidando com o mercado há mais tempo, mas esses grupos também precisaram, e ainda precisam, lidar com investimentos muito mais altos, como em construir e manter data centers enormes; enquanto as fintechs contratam serviços na nuvem e resolvem seus problemas de infraestrutura com facilidade, por exemplo.
Não é como se os bancos nunca tivessem investido em tecnologia. Na verdade, eles sempre investiram. Porém trabalhar com infraestruturas legadas, a necessidade de criar interfaces amigáveis, mas que mantenham tecnologias antigas por trás, sempre aumenta muito os custos, podendo dificultar os processos e gerar imensos problemas. E o mais curioso é que os bancos também fazem isso pelos clientes, que não conseguem ver isso por ser algo muito distante da interface de usuário. Os sistemas antigos dos bancos não podem ser simplesmente migrados para outras plataformas. O risco de perda de informações financeiras de milhares de pessoas é imenso. Não seria só um prejuízo bancário. Seria um colapso econômico.
As fintechs, por outro lado, nasceram em épocas de tecnologias mais avançadas e migráveis, tornando a competição complicada. Por um lado, há facilidades que as fintechs possuem e com as quais os bancos não podem competir, e por outro há domínios de mercado com os quais as fintechs não podem lidar para concorrer com os bancos. As leis, chamadas de forma informal de Marco Regulatório das Fintechs, pareciam buscar igualar as coisas, mas na verdade só criavam empecilhos para a competição, ignorando a demanda do consumidor e o próprio movimento do mercado, baseado em atender à demanda com uma oferta mais atrativa e competitiva.
Tudo isso levanta a questão: essas disputas resolvem os problemas de ambos os lados? A resposta é simples: não. O movimento precisa ser o de abraçar as melhores ideias que vêm dos dois lados, cortando custos, lidando de forma inteligente com a competição e, acima de tudo, investindo em uma transformação digital que parta do problema de negócios, passe pela tecnologia, mas tenha por finalidade uma mudança de cultura organizacional e de atendimento, centrada no que mais importa: o cliente.
A solução de abraçar o melhor dos dois mundos demanda muito trabalho e esforço. É por isso que, por muitas vezes, se faz necessária a ajuda de uma consultoria focada em transformar empresas digitalmente, e também oferecer soluções que provenham maior automatização. Há bons comportamentos e ideias que precisam ser reforçados em ambos os tipos de instituições financeiras, mas é preciso olhar além da tecnologia, pois ela é uma ferramenta, não uma solução em si.
As instituições que não nasceram digitais podem aprender a mudar a cultura empresarial apenas o suficiente para aproveitar a lida com ferramentas e dados estratégicos para se criar uma oferta de serviços melhor. Do outro lado, a expertise em negócios e o olhar experiente de mercado pode oferecer às startups insights de como criar solidez e tradição mesmo na sua juventude, estabelecendo novos padrões de serviços que são, em suma, o melhor dos dois mundos.
Uma solução que nasceu dessa forma estratégica de lidar com o mercado é o PIX, que tem toda cara de solução de startup, mas partiu do próprio Banco Central. Sim, talvez haja uma demanda muito maior por lado dos bancos de se digitalizarem, cortando processos burocráticos e agilizando atendimentos, facilitando investimentos e decisões por meio de análises de dados mais avançadas, mas as fintechs também precisam melhorar e investir muito em customer experience, dado que há ainda aqueles que precisam sentir a solidez e confiança que só um atendimento físico, pessoal e em uma instituição proporcionam. Isso para citar alguns exemplos.
Importante lembrar-se que; competir pode ser a base do sistema, mas o centro do mercado é o consumidor.
Thiago Cassini é Head of Financial Products & Services na Certsys.