Em outubro, seis pacientes contraíram HIV após transplantes de órgãos no Rio de Janeiro, resultado de exames com falsos negativos realizados em um laboratório particular. A Polícia Civil investiga o caso, que, até o momento, aponta que os testes incorretos podem ter sido intencionalmente motivados por lucro dos sócios da empresa. De acordo com o Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro, o laboratório operava sem registro e o Ministério da Saúde determinou sua interdição cautelar.
No centro da situação estão os pacientes transplantados, que agora precisam de suporte do Estado para retomar suas vidas. Daniella Torres, especialista em Direito Médico do Centro Universitário de Brasília (CEUB), explica como a legislação brasileira pode amparar as vítimas desse crime.
Confira entrevista, na íntegra:
Quais são as responsabilidades jurídicas do laboratório no caso do transplante de órgãos infectados com HIV?
DT: As punições para laboratórios que falham em garantir segurança nos exames são diversas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode aplicar multas severas, interditar estabelecimentos ou suspender e até cancelar suas atividades definitivamente. As ações desta natureza podem gerar indenizações aos pacientes prejudicados e, dependendo do caso, as responsabilidades penais também são cabíveis.
O que a legislação brasileira prevê para casos de erros em exames laboratoriais que resultem em infecção de pacientes? Existe alguma punição para laboratórios que falham nessa detecção de doenças transmissíveis?
DT: Para erros em exames laboratoriais que prejudicam a saúde de pacientes, a legislação brasileira prevê multas, suspensões, cassação de autorizações, indenizações e, em alguns casos, condenações penais, responsabilizando tanto o estabelecimento quanto os profissionais envolvidos. A Resolução RDC Nº 786 de 2023 regulamenta os requisitos técnicos e sanitários para laboratórios. As punições englobam multas, interdição e até cancelamento das atividades, além de ações civis e penais em casos graves de negligência.
Que tipo de indenização ou reparação pode ser exigida pelos receptores dos órgãos contaminados?
DT: Em casos como este, os pacientes podem exigir indenizações na esfera cível e, em alguns casos, responsabilização penal dos envolvidos.
Como a interdição cautelar do laboratório, determinada pelos órgãos durante a fiscalização, afeta seu funcionamento e quais são os próximos passos legais?
DT: A interdição cautelar, determinada pela Anvisa e vinculada aos Conselhos Profissionais, suspende as atividades do laboratório e dos profissionais responsáveis. A medida é aplicada quando há evidências de prejuízo à comunidade, aguardando comprovações que consolidem os fatos e a autoria do crime.
Quais protocolos devem ser seguidos por laboratórios para garantir a segurança dos exames de doadores em processos de transplante?
DT: Laboratórios de análises clínicas devem seguir protocolos rigorosos para assegurar a segurança dos exames, como o controle de datas de recebimento, armazenamento e validade dos produtos, além de manter registros detalhados, conforme prescrito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
No ambiente laboratorial, ações devem ser totalmente rastreáveis, com registro de todos os profissionais que tiveram acesso aos exames. O Sistema Nacional de Transplantes, reconhecido pela perícia, exige que doadores sejam testados para várias doenças transmissíveis. Neste caso, a ausência de registros e kits para exames sugere possível falsificação dos testes, um grave desserviço ao sistema de transplantes e à saúde pública.
Como o sistema de fiscalização e controle de laboratórios pode ser melhorado para evitar que casos como esse voltem a ocorrer?
DT: A Anvisa, responsável pela fiscalização, poderia investir em campanhas informativas direcionadas a pacientes e profissionais, além de realizar fiscalizações mais rigorosas. Isso aumentaria a transparência e segurança nos processos laboratoriais.
Como o combate à desinformação pode auxiliar na preservação da segurança e confiança no sistema de transplantes do Brasil? DT: Campanhas educativas são essenciais para orientar tanto o público quanto os profissionais de saúde, fortalecendo a confiança no sistema de transplantes. A capacitação frequente dos profissionais é igualmente importante para garantir a segurança dos processos.